Fonte: Jornal da Besta Fubana
Por: Allan Sales
Nestes dias, recebo um atencioso telefonema de uma querida amiga que sempre esteve em nossos recitais. Ela é declamadora e grande colaboradora da União dos Cordelistas de Pernambuco, entidade da qual sou um dos fundadores e hoje sou colaborador nas atividades que nossos amigos empreendem aqui no Recife e região. A amiga está fazendo pós-graduação na área de administração da qual concluiu com louvor o bacharelato pela UFPE. Ela me perguntava se eu tinha algum texto em cordel versando sobre salário, ela pretendia empregar algo assim na explanação que ela e seu grupo fariam num seminário constante da grade curricular da pós-graduação.
Disse pra ela que não dispunha de nenhuma texto sobre o tema salário. Estávamos nós também de conversa pelo MSN, eu comecei a escrever uma primeira estrofe que mandei imediatamente, as onze seguintes saíram no espaço de tempo de cerca de vinte minutos em que estivemos conversando on-line. À noite,voltamos à prosa na internet, eu diagramei o cordel e envie para que ela o imprimisse, e fizesse dele veículo de informação no contexto de sua explanação de trabalho acadêmico. Segundo ela, no dia seguinte, um sucesso sua exposição junto com os seus colegas. O texto em questão foi esse.
I
O salário brasileiro
Como manda a tradição
Tão voraz tanto patrão
Ao negar nosso dinheiro
Eu recebo o meu inteiro
Pagar conta é minha sina
Vou sem libra esterlina
Eu que vivo aqui penando
Vejo o mês continuando
Meu salário antes termina
II
Sou obreiro e operário
Posso até ser professor
Até mesmo ser doutor
Motorista até bancário
Pouco dura meu salário
Pesadelo descortina
Meu patrão é gente fina
Segue assim acumulando
Vejo o mês continuando
Meu salário antes termina
III
Uma tal de mais-valia
Disse Marx comunista
Acumula um vigarista
Dono dessa economia
Explorado em toda via
Meu trabalho desatina
Pro patrão é uma mina
Eu produzo ele ganhando
Vejo o mês continuando
Meu salário antes termina
IV
O Brasil sempre atrasado
Descobrir mercado interno
Mas aqui ainda um inferno
Povo assalariado
Vai seguindo endividado
Toca a mesma concertina
Sem confete e serpentina
DIEESE reclamando
Vejo o mês continuando
Meu salário antes termina
V
Apelar pra sindicato
É caminho complicado
Tem pelego encastelado
Isso vejo ser um fato
Eu quero sair do rato
Sem comprar nada da China
Quero ouro e purpurina
Só na loto eu ganhando
Vejo o mês continuando
Meu salário antes termina
VI
O Brasil capitalista
Sempre esquecendo o povo
E não faz nada de novo
Não será nosso avalista
Novo mundo se conquista
Com coragem genuína
A história nos ensina
A seguir sempre buscando
Vejo o mês continuando
Meu salário antes termina
VII
Se salário vem de sal
Sua invenção romana
Trabalhar toda semana
Com descanso no final
Meu salário vem mensal
Como regras de menina
Em três dias ele culmina
O seu fluxo secando
Vejo o mês continuando
Meu salário antes termina
VIII
Eu vou me mobilizar
No mercado de trabalho
E assim quebrar meu galho
Se vou me qualificar
No concurso se passar
Algo bom que se defina
Vou virar é gente fina
Se o patrão me aumentando
Vejo o mês continuando
Meu salário antes termina
IX
Sou um capital humano
Definido como tal
Minha força laboral
Assim vista neste plano
RH não é tirano
Cumpre o que se determina
A carteira assim se assina
E do meu vão descontando
Vejo o mês continuando
Meu salário antes termina
X
Tempos de modernidade
Querem flexibilizar
E assim globalizar
Os peões da humanidade
Os do campo e cidade
Do Ibura e lá do Pina
Da fazenda e da usina
Mas no fim quem sai ganhando?
Vejo o mês continuando
Meu salário antes termina
XI
Tem salário de chinês
Dizem ser escravizado
Europeu remunerado
Seu salário tem mais vez
Mas aqui o que se fez
Até hoje se rumina
Muita gente campesina
Nem o mínimo levando
Vejo o mês continuando
Meu salário antes termina
XII
E assim vou trabalhar
E manter todo sistema
Vou tocar o mesmo tema
Todo dia labutar
O negócio é laborar
Ócio é coisa bem suína
Posso até fazer faxina
Mas não fico malandrando
Vejo o mês continuando
Meu salário antes termina.
Imagem: janela.com.br
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