CORDEL PARAÍBA

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Bem-vindos, peguem carona/Na cadência do cordel,/Cujo dono conhecemos:/Não pertence a coronel./É propriedade do povo:/rico, pobre, velho, novo/deliciam-se deste mel./Rico, pobre, velho, novo/Deliciam-se neste mel.

(Manoel Belisario)



quarta-feira, 13 de abril de 2011

Arievaldo Viana: Os pecados da novela Cordel Encantado

Apesar de bem-resolvida visualmente, a trama de Duca Rachid e Thelma Guedes que mistura sertão e contos de fada, poderia ter evitado alguns deslizes e valorizado mais o Romanceiro Popular Nordestino.

Cordel Encantado

Fonte: www.vermelho.org.br

Novela global está longe da realidade nordestina

           O primeiro deslize já começa na abertura... Apesar das xilogravuras em movimento, bem no clima da Literatura de folhetos do Nordeste, a música de Gilberto Gil e Roberta Sá não se encaixa bem na proposta. Pusessem um Alceu Valença, um Ednardo ou um Zé Ramalho para compor aquela trilha e a história seria outra. Aliás, eu vou mais longe... Para dar mais autenticidade ao folhetim, as vozes mais adequadas para aquela abertura seriam Mestre Azulão ou Oliveira de Panelas. Estes sim, entendem de cordel, porque são do ramo e conhecem as toadas mágicas dos velhos folheteiros.
            Segundo a crítica especializada, o primeiro capítulo da novela Cordel Encantado foi um dos mais bem resolvidos da atual teledramaturgia brasileira. Com a moral garantida junto à direção Globo por conta do sucesso de Cama de Gato, exibida no horário das 18h em 2010, a dupla de autoras Duca Rachid e Thelma Guedes voltou à faixa horária misturando monarquia e sertão nordestino na passagem entre os séculos 19 e 20. O pecado fica por conta dos sotaques, mas uma vez exagerados, estereotipados, distantes da realidade da maioria dos Estados da Região Nordeste. Parece que, para o povo do Sudeste, o único sotaque que prevalece é aquele do baiano preguiçoso, de fala cantada.

Coisa de cinema
Outra coisa que surpreendeu foi a qualidade das imagens. Por conta da captação de 24 quadros por segundo, a novela é a primeira a ter ares de cinema. Isso ficou evidente na alta definição das imagens panorâmicas gravadas na França e no Sergipe e nos closes generosos no elenco. Mas aí, vem o segundo pecado. Enquanto o figurino do núcleo de Seráfia está impecável, a indumentária dos “cangaceiros” passa é longe dos trajes usados por Lampião e seu bando. Estão mais para vaqueiros desajeitados, com enormes gibões medalhados e perneiras, chapéus de sola (e não o tradicional chapéu de couro do cangaço). Pode-se dizer que é por conta da licença poética, mas quem conhece a riqueza pictórica do cangaço nordestino – as roupas e bornais bordados magistralmente por Dadá e outras cangaceiras – acha que o figurino dos cangaceiros globais está paupérrimo em termos de encantos visuais.

Sinópse da trama

A história apresentada foi a de como a princesa Aurora/Açucena (Bianca Bin) foi parar vivendo na mesma casa que seu amado, Jesuíno (Cauã Reymond), filho do cangaceiro mais temido da fictícia Brogodó, Herculano (Domingos Montagner).
Tudo culpa da viagem que o rei Augusto (Carmo Dalla Vecchia), líder do fictício país europeu Seráfia, faz ao Nordeste brasileiro em busca de um tesouro. Só que tudo dá errado.
Os cangaceiros atacam a família real, enquanto a duquesa Úrsula (Debora Bloch) e seu mordomo e amante, Nicolau (Luiz Fernando Guimarães), conspiram para matar a rainha Cristina (Alinne Moraes) e seu bebê, a princesa Aurora, para que a filha de Úrsula fique então com o trono. Desesperada com a perseguição, a rainha consegue deixar sua princesa aos cuidados de uma família nordestina, antes de ser morta por Nicolau.
Os diretores Ricardo Waddington e Amora Mautner conseguiram mesclar na dose certa o ritmo da trama. O primeiro capítulo foi ágil, sem deixar de dar tempo necessário para que o público conhecesse os personagens principais e embarcasse na história.
Apesar das muitas plásticas, o ator Luiz Fernando Guimarães mostrou competência ao fazer um divertido dueto de maldades com Debora Bloch, sua parceira dos tempos de TV Pirata.
Matheus Nartergaele também demonstrou seu já conhecido talento na pele de Miguézim, o profeta nordestino, que anuncia a vinda do rei. Outras boas surpresas foi a volta à TV de Berta Loran, como a rainha-mãe, e a chegada às novelas de José Celso Martinez Corrêa, o mito vivo do teatro brasileiro.
Com o lirismo nordestino recheado de pitadas de conto de fadas, Cordel Encantado tem todos os elementos necessários para conquistar o telespectador típico do horário das 18h.

Aquecimento no mercado editorial do cordel
Para o poeta e escritor Marco Haurélio, da assessoria de comunicação da Editora Nova Alexandria, “A estreia da novela global Cordel Encantado, segunda, 11 de abril, veio cercada de expectativa. Alguns autores e editores acreditam que, finalmente, a literatura de cordel terá o reconhecimento, há muito reclamado. “O cordel é a bola da vez!”, afirmam os mais entusiasmados. Para a Nova Alexandria, no entanto, o cordel sempre esteve em evidência. A coleção Clássicos em Cordel, criada em 2007, grande sucesso editorial, reúne em seu elenco algumas das maiores estrelas do universo cordeliano.”
Eu, particularmente, considero que os caminhos para o cordel são muito promissores mas esse “oba oba” gerado pela novela pode ser uma faca de dois gumes. A nossa arte já vem sendo muito massacrada por pseudo-cordelistas, gente que não é do ramo, mas aproveita a onda para se infiltrar no mercado editorial. Até escritores "eruditos", que antes repudiavam o cordel, estão se bandeando para os lados do romanceiro popular. Isso poderá resultar numa verdadeira enxurrada de porcarias invadindo o mercado. Os editores precisam ser criteriosos na seleção dos projetos. Parabéns a Nova Alexandria por ter um poeta do nível do Marco Haurélio frente desses lançamentos.

Arievaldo Viana é membro da Academia Brasileira de Cordel

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