Discurso de posse do poeta popular e cordelista mossoroense Antônio Francisco, que ocupa a cadeira número 15, que foi de Patativa do Assaré, na Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC)
Eu já sonhei galopando
Num cavalo colorido
Pescando em cima das nuvens
Tucunaré já cozido
Mas nunca tinha sonhado
Que eu já tinha morrido.
E foi no ano passado
Que eu tive um sonho assim
Morto de papo pra cima
Numa cama de capim
Com três anjos recitando
E cantando perto de mim.
Cada um dos anjos tinha
O nome no seu coeiro
Cantador Marcos Lucena
Cordelista e violeiro
Vate Gonçalo Ferreira
Poeta Manoel Monteiro.
Mesmo morto como estava
ouvi um deles dizer
Eu acho que já é hora
Deste poeta escolher
Onde quer nascer de novo
E o que ele quer ser.
E me tiraram da cama
Pegados na minha mão
E me levaram pra dentro
De um enorme salão
Me mandaram sentar
Na frente de um telão.
E começaram a passar
Com arte e suavidade
Todos recantos da terra
País, Estados e cidades
Com tudo, tudo que tinham
Em cada comunidade.
O anjo Marcos Lucena
Disse batendo na tela
Poeta escolha a cidade
Que você quer nascer nela
Crescer junto com seu povo
E morrer nos braços dela.
Abri a boca e fechei
Como quem matuta só
E mesmo com a língua presa
Com se tivesse um nó
Respondi quero nascer
Novamente em Mossoró.
O anjo Manoel Monteiro
Bateu em mim e sorriu
E disse: você agora
Vai ver o que nunca viu
Os maiores cordelistas
E que a luz do céu cobriu.
E num cantinho da tela
Começou a aparecer
Os retratos dos poetas
Que estavam pra nascer
E depois da foto a fama
Que cada um ia ter.
O anjo Gonçalo disse:
Cantador escolha aquele
Cordelista que você
Mais se afina com ele
E diga se quer ou não
Renascer no canto dele.
Eu disse anjo Gonçalo
Não pense que eu sou arisco
Mas se eu nascer cem vezes
Todas cem eu me arrisco
Sem me arrepender de uma
De ser Antônio Francisco.
Quero ser neto de Perto
Filho de Chico e Pedrinha
Ser criado por titia
E Maria prima minha
E crescer correndo perto
Do rancho que a gente tinha.
Quero quebrar minha vela
Na primeira comunhão
Pegar balde no Mercado
Malota na Estação
E jogar como eu jogava
Bola, peteca e pião.
Eu quero sentir a mesma
Pancada de emoção
Quando eu li com oito anos
Um cordel de Lampião
E recitei pra papai
Juvenal e o dragão.
Quero correr com o vento
Por dentro da capoeira
De calça curta e chinela
Armado de baladeira
E enganar o sol quente
De baixo da quixabeira.
Eu quero bater tijolo
Ser servente de pedreiro
Abrir letreiro na rua
Trabalhar de sapateiro
E encostar nos quarenta
Trabalhando de plaqueiro.
Eu quero ser um pouquinho
De cigano e de poeta
Um tico de cantador
Outro tico de atleta
E conhecer quase todo
Nordeste de bicicleta.
Eu quero viver de novo
Com Nira de Rafael
Pra ela encontrar de novo
O lugar que tem o mel
E lambuzar de garapa
as páginas do meu cordel.
Nesse instante o anjo Marcos
Bateu a asa e subiu
Desceu e disse você
Com certeza não ouviu
Mas nosso Mestre aceitou
Tudo que você pediu.
Mas antes que você nasça
De novo como nasceu
E viva do mesmo jeito
Que no passado viveu
Recite alguns poemas
Que Patativa escreveu.
Eu disse eu sei de tudo
Deste poeta matuto
Que nasceu pra defender
O povo do sertão bruto
E passar por este mundo
Sem deixar substituto.
A terra pode fazer
Mais de uma tentativa
Rodar na ponta do eixo
De ficar na carne viva
Mas ela se quebra e não sai
Outro igual a Patativa.
Comecei recitando
“Vaca Estrela” e “Boi Fubá”
“Cabocla da minha terra”
“Minha Terra Naturá”
“Prefeitura sem Prefeito”
“Cante lá que eu canto cá”.
Recitei “Nordeste Sim,
Mas nordestinado não”
“A escrava do dinheiro”
“O doutor do avião”
“As proezas de Sabino”
E “O retrato do sertão”.
Eu ia passar do tempo
De nascer só recitando
Poemas de Patativa
Com os três anjos me olhando
Quando acordei de repente
Com a mulher me chamando.
Acorda, preguiça acorda
Gustavo está aí fora
Ele, Ceiça e Mariana
Já faz mais de uma hora
Dizendo que você é
Da Academia agora.
Acorda, preguiça, acorda
Bata palma e diga viva
Foi na ABLC
Numa cadeira cativa
Lá no Rio de Janeiro
No lado de Patativa.
Eu disse morto de sono
Viva a loucura, viva!
É ela a dona dos sonhos
Da arte que nos cativa
Sem ela ninguém mistura
Pateta com Patativa.
E já refeito do sono
Que mandei Gustavo entrar
Eu disse: Gustavo, diga,
A Gonçalo pra arranjar
Um que tenha mais juízo
Pra sentar no meu lugar.
Diga lá que eu tenho medo
De dormir naquela cama
Não dela, mas dos que só
Aprenderam jogar lama
Das pedradas de inveja
Que dão nas costas da fama.
Gustavo Luz disse:
Poeta deixe de auê
Você vai pra Academia
E eu vou dizer porque
Todo mundo está vibrando
Torcendo por você.
Quem vai sentar na cadeira
Não é você, arigó.
É “Por Motivo de Versos”
“Dez cordel num cordel só”,
Uma banda do Nordeste
E o povo de Mossoró.
Eu disse: pronto, Gustavo,
Você já me convenceu
Mas não vou sentar no banco
De meu confrade escolheu
Porque um gênio não morre
Patativa não morreu.
Eu vou sentar com cuidado
Na pontinha da cadeira
E agradecer a Deus
A Academia inteira
Ao grande Marcos Lucena
E a Gonçalo Ferreira.
E dizer a Patativa
Meu ídolo, mestre e xará,
Poeta, faça bonito
Aí do lado de lá
Que eu vou ver o que faço,
Aqui do lado de cá.
Fonte: Jornal da Besta Fubana www.luizberto.com
Imagem: arara.fr
Meu grande amigo poeta
ResponderExcluirque bom te encontrar
lí aqui seus versos
que me fez eu admirar.
os anjos cantam louvores
um jardinm cheios de flores
e um beija-flor a voar.
Parabéns amigo poeta.