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Por- Eliabe Alves
A literatura oral é um bem do povo, presente em todas as civilizações humanas desde os tempos mais remotos. Voltando algumas páginas no livro do tempo, veremos que no Brasil de antigamente, sobretudo na região nordeste no limiar do século XX, havia nas comunidades rurais, pessoas que se expressavam de forma quase que ágrafas, sendo que poucos eram os habitantes que sabiam decodificar os códigos dos registros escritos, valendo-se, na maioria das vezes, dos saberes da oralidade. Nesse contexto sócio cultural, inicialmente a literatura de cordel exerceu um papel fundamental no processo de sua formação cultural e humana. Nesses lugares, quem sabia ler era procurado para, no cair da noite, á luz da lamparina, ler os folhetos de cordel. Em seu entorno agrupavam se pessoas com olhos e ouvidos atentos as histórias romanescas, ali cantadas. Todos envolviam-se por meio das narrativas fantásticas e encantadoras transmitidas pela a força da rima e da métrica da poesia popular.
Era comum, as pessoas comprarem os folhetos que eram vendidos nas feiras a preços acessíveis ás donas de casas e aos lavradores. Através desse contato com a escrita, algumas pessoas foram alfabetizadas e passaram a exercer sua cidadania com mais dignidade principalmente com o acesso á literatura de Leandro Gomes de Barros, João Martins de Athayde, José Pacheco, José Camelo, Chico Traíra, José Melquíades Ferreira e Patativa do Assaré, que integram o cânon dos celebres poetas nordestinos. O universo da poesia de Cordel o Rio Grande do Norte está servido de talentosos cordelistas do porte de: José Saldanha, o decano dos trovadores potiguares, com 93 anos de idade, e de muita produção no campo da poesia popular. É de sua autoria os seguintes versos “Ergui-te sertão amado/ Com tua gleba risonha/ Teu horizonte dourado/ Com que o poeta sonha “além de Saldanha ainda temos os bem humorados poetas Bob Motta, Paulo Varela e o premiado Antônio Francisco que com sua arte singular contribuem de forma significativa para a elevação da cultura brasileira. Com o passar do tempo, esses contos e histórias dos impérios, cangaceiros, príncipes, princesas, amores proibidos, lutas e pelejas dos personagens das páginas dos romances de cordel foram adaptadas para as mais diferentes formas e linguagens artísticas como: teatro, cinema, música, quadrinhos, e novelas. Em 1952, a editora paulista Prelúdio lançou uma versão em quadrinhos do clássico Romance do Pavão Misterioso, com desenhos de Sérgio Lima que apesar de ter sido produzido com poucos recursos gráficos esse HQ torna-se um marco nas adaptações desse gênero. Depois surgiram os HQS (Juvêncio o Justiceiro e Simãozinho); A chegada de Lampião no Inferno); (Juvenal e Dragão, A Donzela Teodora); e o Quadrinho “A Maça que Namorou com o Bode”do talentoso cartunista cearense Klévisson Viana uma edição que julgo de grande qualidade editorial. Na sétima há também uma experiência de adaptação do romanceiro popular no filme de Tânia Quaresma: “Nordeste: Cordel, Repente e Canção” (1974). Nesse momento o cordel passou por sua primeira adaptação, de linguagem escrita para o meio imagético. O folclorista Câmara Cascudo também se rendeu as encantos dos folhetos de Cordel quando escreveu o livro: Cinco contos do povo (1953). O escritor Bráulio Tavares incorporou a estética e a forma da poesia popular em sua vasta produção intelectual que vai da música, ao teatro e literatura. O Movimento Armorial, por sua vez, começou em 1970, liderado pelo também Escritor Ariano Suassuna, provocando uma enorme agitação criativa na arte Pernambucana e nordestina, tornando-se o movimento que mais utilizou o cordel para digerir e implementar uma nova forma de conceber o seu fazer artístico. O próprio Ariano formulou o conceito de todo esse processo quando teceu o seguinte depoimento: “A arte Armorial brasileira é aquela que têm como troca comum principal a relação como espírito realista e mágico dos folhetos do Romanceiro popular do Nordeste, literatura de cordel, com música de viola, rabeca ou pífano que acompanhava seus cantores com a xilogravura que ilustra suas capas, assim como o espírito e a forma das artes e espetáculos populares com esse romanceiro relacionado” .Esse movimento ainda revelou para o Brasil os pintores: Gilvan samico, Francisco Brennand. Os escritores Virgílio Maia e Raimundo Carreiro bem como o músico Antônio Nóbrega.
Todas essas adaptações e influências da literatura de cordel, nas mais diversas linguagem artísticas são comprovações da qualidade e da criatividade dos poetas populares. No entanto, vejo com certo olhar de desconfiança na TV Globo, a telenovela “Cordel Encantado”. Essa é mais uma produção que absorveu elementos do cordel na sua construção narrativa. Por ser artificialmente encenada por atores que são oriundas de uma região onde historicamente, a grande mídia vendeu a imagem do homem do Nordestino para o resto do Brasil, como o coitadinho e que passa fome. Na verdade, acredito que o nosso povo só será representado com respeito e dignidade quando for sujeito de seu próprio itinerário cultural, com igualdade de oportunidade para que os nossos bons escribas e artistas mostrem todo o seu potencial criativo. Diante disso, faz-se necessário que o ministério da cultura desenvolva cada vez mais políticas públicas voltadas para a valorização das produções culturais no nordeste, descentralizando os investimentos do eixo Rio-Sul. Ou do contrário continuaremos relegados ao atraso e ao dolorido esquecimento.
Imagem: roteiroliterario.com
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