Fonte: Jornal do Brasil: www.jb.com.br
Por Marli Moreira
Com a maior concentração no país de nordestinos fora da região de origem, a cidade de São Paulo terá este mês dois grandes movimentos culturais que tentam preservar uma das maiores tradições brasileiras: a literatura de cordel. Até o dia 6 de outubro, ocorre o 1º Festival de Cordel, no Centro de Tradições Nordestinas (CTN), com oficinas, saraus, cinema e palestras, além de um concurso para premiar os 20 melhores trabalhos.
No próximo dia 27, o Movimento Caravana do Cordel vai reunir especialistas para debater o tema no 1º Fórum do Cordel em São Paulo, no auditório da Ação Educativa, no bairro de Vila Buarque, na região central. Mais do que levar cultura e entretenimento, os coordenadores desses dois eventos querem que eles sirvam para chamar a atenção dos educadores sobre a importância do ensino desse gênero literário nas escolas de ensino fundamental e médio.
Ao pé da letra, cordel significa corda pequena. Seu uso para a classificação da literatura vem do costume, introduzido no Brasil pelos portugueses, de pendurar as cartilhas com os escritos em barbantes nos locais onde as obras eram colocadas à venda. Comumente impressos em papéis rústicos, os exemplares ganharam ilustrações em xilogravura entre o final do século 19 e o começo do século 20.
Curador do 1º Festival de Cordel de São Paulo, o jornalista e estudioso da cultura popular Assis Ângelo informou que a ideia de levar o tema para as salas de aula já se tornou realidade no Ceará e no Piauí, e, agora começa a se espalhar pelo estado do Pernambuco.
Ângelo lembra que, antes de chegar ao Brasil, o dramaturgo português Gil Vicente (1465-1536) tornou-se uma referência do cordel. Entre os primeiros nomes de poetas brasileiros consta o do paraibano Leandro Gomes de Barros, que morreu em 1918. Ele inspirou Ariano Suassuna a escrever a peça O Auto da Compadecida. Além de ser publicada em livro, a obra foi para as telas do cinema e da televisão.
Segundo o especialista, a estrofe mais comum do cordel é a de seis versos, cada um deles com sete a 11 sílabas. As rimas não podem faltar. Para Ângelo, é preciso acabar com o preconceito que ainda existe em torno dessa tradição. “Muitos pensam que é uma atividade de analfabetos quando ela inclui, por exemplo, pelo lado erudito, Castro Alves e, pelo lado popular, Patativa do Assaré, que se estivesse vivo estaria hoje com 102 anos”, observou ele.
Patativa do Assaré, nome popular do poeta cearense Antonio Gonçalves da Silva, é autor, entre outros, de poemas como Caboclo Roceiro e Triste Partida, cantada na voz de Luiz Gonzaga em gravação de 1964, e Vaca Estrela e Boi Fubá, musicada na voz de Raimundo Fagner, em 1980.
Já o poeta baiano Castro Alves tem entre os escritos mais famosos o Navio Negreiro, que aborda episódios do sofrimento dos povos africanos trazidos para serem escravizados no Brasil. Um dos trechos diz: “Auriverde pendão de minha terra/Que a brisa do Brasil beija e balança/Estandarte que a luz do sol encerra/E as promessas divinas da esperança.../Tu que, da liberdade após a guerra/Foste hasteado dos heróis na lança/Antes te houvessem roto na batalha, que servires a um povo de mortalha!”
Outro poeta que em alguns momentos recorre a elementos do cordel é Gonçalves Dias. Em Canção do Exílio, ele exalta a riqueza da fauna e flora brasileira: “Minha terra tem palmeiras/ Onde canta o sabiá/ As aves que aqui gorjeiam/ Não gorjeiam como lá”.
Imagem: prefeitura.sp.gov.br
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