Rima simples para ecoar tradições populares, estórias que permeiam o imaginário de um país. A literatura de cordel, conhecida expressão que surgiu no seio da região nordestina, começa na oralidade para desembocar em folhetos bem humorados e singelos – uma manifestação criativa e bem humorada do saber de um povo simples. O universo lúdico construído por meio destas publicações tem espaço cativo na Feira Pan-Amazônica do Livro. Amanhã, durante o dia, será realizado o III Encontro de Cordelistas da Amazônia, com uma programação que conta com palestra, oficina e uma feirinha de cordéis.
A literatura de cordel tem origem longínqua. Considerada uma das formas literárias mais populares do Brasil, sua ideia base vem da época do Renascimento, quando se popularizou o costume de produzir publicações escritas na tentativa de eternizar relatos orais. “O cordel como uma publicação é apenas o resultado físico de uma produção literária que é falada. É uma literatura que é recitada, cantada, para depois ganhar o papel”, explica Cláudio Cardoso, editor de cordéis e um dos organizadores do Encontro. E a inspiração já atravessou o oceano pacífico batizada. Em Portugal, os folhetos eram conhecidos como cordel, pois eram expostos para venda em cordas ou barbantes. No nordeste brasileiro, a tradição do varal foi mantida, mas também criou-se uma nova forma de escoamento: os populares livretos começaram ser vendidos expostos em bancas, vendidos no famoso modo “corpo a corpo”.
Autores travam luta contra o esquecimento
E no nordeste também se construiu uma estética própria da manifestação, com temas e visual mais próximos da realidade brasileira.Com a vinda dos nordestinos para a região amazônica no final do século XIX - movimento ocasionado por causa dos ciclos da Borracha, do Peonato (construção da Rodovia Transamazônica) e do Minério – o cordel veio na mala. Em 1914, um pernambucano monta a primeira editora de cordel da região, a Guajarina, que ajuda na propulsão do trabalho dos cordelistas que já começaram a despontar por essas bandas. De lá para cá, surgiram diversos cordelistas na capital e nos municípios paraenses. Uma produção que resiste às dificuldades de se fazer poesia popular, cheia de requintes artesanais.
Salve os cordelistas da Amazônia
Este é o terceiro ano consecutivo que o Encontro de Cordelistas da Amazônia é realizado, sempre dentro da Feira do Livro. A ideia de promover um evento para saudar a classe artística local partiu do pesquisador Vicente Salles. “Vicente era um dos maiores pesquisadores e colecionadores de cordéis da região. Em uma conversa, ele nos deu essa ideia, de criarmos uma ocasião para discutir e promover essa arte. Tinha que vir dele, não é mesmo?”, conta Juraci Siqueira, cordelista que junto de João de Castro e Cláudio Cardoso organiza o encontro.
Com o apoio da Secretaria de Cultura do Estado, o grupo conseguiu fazer a primeira edição em 2011, que contou com a modesta participação de 15 pessoas na plateia. No ano seguinte, o número de público aumentou consideravelmente, para 150 participantes. “Com essa visibilidade ficou provado que as pessoas têm interesse pelo assunto e assim a Secult nos disponibilizou um espaço maior. Neste ano, a palestra do Encontro será na sala Marajó, às 10h, e terá participação do professor e poeta Jesus Paes Loureiro e do doutorando Hiran Possas, que pesquisa os cordéis amazônicos. Os organizadores do encontro também participam do debate.
Esse crescente interesse do público e do próprio Estado anima os cordelistas. Organizados em uma associação, o interesse deles é que o cordel seja finalmente reconhecido como um instrumento didático de ensino. “Há tempos a gente busca a inserção do cordel tanto como conteúdo literário nas escolas, como ferramenta para o aprendizado. Nossa intenção não é comercial, é mais de promover esse conhecimento popular, às vezes esquecido”, argumenta Cláudio.
Um bom exemplo dessa luta está na participação do potiguar Gustavo Luz. Ele é fundador da editora “Queima Bucha”, que publica cordéis do Rio Grande do Norte, do Ceará e de outros estados do Nordeste. “Montei a editora para publicações diversas, mas há cinco anos montei a coleção só para cordéis. A gente sente que está acontecendo uma ‘revitalização’ dessa expressão. Temos muitos cordelistas e as pessoas consomem os folhetos. A grande dificuldade é mesmo a distribuição, daí a importância de feiras e encontros”, esclarece Gustavo. A “Queima Bucha” participa do encontro com a exposição de pelo menos 200 títulos diferentes.
João de Castro nasceu em Palmares, no Pernambuco, mas já mora no Pará desde 1972. Conhecido por ser um cordelistas crítico – sua última publicação foi “Belo Monte, o belo de destruir”, com escritos contrários à construção da Hidrelétrica em Altamira -, João acredita que o ponto alto do encontro são os contatos e ideias que surgem a partir dos papos. “Os cordelistas trabalham vendendo de forma independente, se esforçam para produzir e normalmente contam apenas com pequenas editoras. Então, numa situação como a do encontro, podemos tanto conversar com outros como nós, como com o público também. E isso só fortalece nossa rede”, diz.
Além da palestra, haverá também uma oficina de cordel, com duas turmas, entre as 16h e 18h. Durante todo o dia, no estande do Escritor Paraense, haverá a feira de cordéis. “Teremos aí pelo menos 300 títulos diferentes e estarão presentes em torno de 20 cordelistas – alguns de Belém e outros de demais municípios. Vamos aproveitar a oportunidade para discutir a realização da 1ª Feira de Cordel da Amazônia no segundo semestre deste ano”, antecipa Cláudio.
Fonte: Site Diário do Pará
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