A chegada de Lampião no céu, de Rodolfo Coelho Cavalcante
Por Aderaldo Luciano
O capitão Virgulino Ferreira, o Lampião, mandatário do sertão nordestino, o mais famoso cangaceiro, foi absoluto enquanto viveu. Não respeitou lei, nem rei, soberano que era. Dominou a paisagem entre Ceará e norte da Bahia, e sucumbiu em Sergipe. Sua história, de vida e de morte, é repetida há aproximadamente 70 anos. Durante a vida, caiu na boca do povo, depois da morte caiu na pena dos poetas. O cordel, quando encontrou Lampião, celebrou o nascimento de seu herói e fomentou o roteiro de um mito.
A história elaborada por Rodolfo Coelho Cavalcante está inserida no braço épico do cordel brasileiro. A poesia épica se caracteriza por apresentar elementos históricos, aqueles que realmente aconteceram, e mesclar seus personagens com fatos maravilhosos, colocando-os no reino da fantasia. E foi isso que aconteceu com Lampião. O poeta José Pacheco narrou A chegada de Lampião no Inferno. Se a vida do cangaceiro foi trágica, seu desembarque no reino das trevas foi emoldurada pela comédia. Rodolfo tratou de outra forma n’A chegada de Lampião no Céu.
Não há comédia, há reflexão. O céu transforma-se em um tribunal, no qual um arrependido bandoleiro recorre a Nossa Senhora, solicitando intercessão. Recebe a graça do abraço maternal da Mãe de Deus, mas não poderá ficar no lar celestial, tendo que passar primeiro pelo Purgatório, onde amenizará sua culpa. Na mesma cena, vemos o enviado do Diabo, o cão Ferrabrás, ser expulso do tribunal, não recebendo nenhuma autoridade sobre a alma do réu.
Esta nova edição procurou conservar intacta a versão primeira do folheto, não mexeu nos pequenos problemas de rima e métrica, nem tentou corrigir alguns deslizes gramaticais por entendermos que, no campo poético, é facultativo ao autor procedê-lo ou não. Cabe ao leitor identificar esses mínimos problemas e, aos professores que queiram trabalhá-los com seus alunos nas aulas de Língua Portuguesa, fica reservada a tarefa de apresentar-lhes saídas. Uma maneira lúdica de surpreender-se com os mistérios da norma culta.
Nota do blog Cordel Atemporal: O motivo do tribunal celeste provém da antiga religião egípcia e, adaptado ao cristianismo, veio dar com os costados na América já no tempo da catequese jesuítica. Figura em muitos autos populares e orações. O Diabo, assim como o Tifon egípcio, seu ascendente, é o acusador (ver Anúbis, in: Superstição no Brasil, de Luís da Câmara Cascudo). O mesmo motivo figura em outros folhetos de cordel, como História de João da Cruz, de Leandro Gomes de Barros, e O Castigo da Soberba, de Silvino Pirauá de Lima, base para a terceira parte do Auto da Compadecida. O apelativo Ferrabrás, com que o Diabo figura na história, vem da gesta carolíngia, e nomeia o grande inimigo dos paladinos cristãos, derrotado num duelo singular com Oliveiros.
Reproduzido do blog Cordel Atemporal: www.marcohaurelio.blogspot.com
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