por Diego Barbosa
Reinvenção é
palavra de ordem no vocabulário dos Novos Baianos. Sempre foi. Desde a década
de 1960 - quando se deu o pontapé inicial nos trabalhos - até o recente retorno
aos palcos, em 2015, que a trupe sacoleja as estruturas artísticas e busca
promover uma abordagem diferente de vida e obra. A aposta, embora complexa, é
também certeira. Não à toa, o grupo deixou um legado até hoje é celebrado por
uma legião de admiradores, dentro e fora do Brasil.
Visando jogar luz
sobre os passos dos integrantes no primeiro período em que estiveram juntos na
banda - uma forma de também documentar as travessias do sexteto formado por
Pepeu Gomes, Baby do Brasil, Dadi Carvalho, Paulinho Boca de Cantor, Luiz
Galvão e Moraes Moreira - foi que este último lançou "A História dos Novos
Baianos e outros versos", publicado pela Editora Língua Geral, do Rio de
Janeiro, em 2007.
Esgotada a primeira
edição, Moraes debruçou-se novamente sobre os escritos que tinha desenvolvido,
porém com outra pegada: no lugar do conteúdo da antiga publicação, uma
narrativa mais fluida e com inovações em cordel.
"Quando se faz
uma sextilha, as rimas são no segundo, quarto e sexto versos. Na minha versão,
eu fiz rimas do primeiro com o quarto, do segundo com o quinto e do terceiro
com o sexto", detalha. "Só pode fazer isso quem conhece como é de verdade
o cordel, porque é uma nova forma de escrita do gênero. Entrei no segmento,
então, não apenas para seguir as regras, mas também para contribuir com alguma
novidade. Esse é meu lema".
Dito e feito:
"A História dos Novos Baianos", em novo volume, atesta a originalidade
de Moraes ao equiparar a inquietude do grupo musical com a singularidade da
criação poética, resultando em um livro leve e que, ao mesmo tempo, revela as
facetas dos caminhos traçados pela turma em ambientes severos de repressão e
censura, demarcados - à época do início da carreira - pela ditadura militar
brasileira.
A obra foi lançada
na última Bienal Internacional do Livro de São Paulo, no estande Cordel e
Repente, idealizado e organizado pela Editora Imeph, a mesma que publica o
livro. Na ocasião, Moraes Moreira, além de autografar os exemplares, realizou
um pocket show com sucessos da banda e de sua carreira solo.
Influência
O motivo do cantor
e compositor se debruçar sobre a linguagem do cordel na obra tem justificativa
familiar. O irmão, Zé Walter, é cordelista e há tempos influencia no modus
operandi artístico de Moraes. "Ele foi meu mestre no cordel. Nas minhas
músicas, já tinha alguns traços, um pouco dessa arte - os versos contados, a
tríplice (métrica, rima e oração) -, mas não tinha um rigor. Depois, comecei
realmente a estudar a temática, aprendendo como era a questão das sílabas
contadas e as rimas no lugar certo, por exemplo, o que me permitiu fazer as
inovações", conta.
Ainda que se apoie
nesses novos parâmetros, o livro não deixa de herdar alguns aspectos do
anterior, como as ilustrações, o que estabelece uma interessante
correspondência entre os dois. Os desenhos são assinados pelo ilustrador e
artista plástico paraibano Romero Cavalcanti, reconhecido internacionalmente,
com trabalhos expostos em bienais na Polônia e Finlândia, por exemplo.
As imagens evocam
uma das artes mais típicas do Nordeste, a xilogravura, de uma forma moderna e
criativa, ora retratando todo o grupo reunido se apresentando em diferentes
cidades - no palco ou na estrada -, ora priorizando o recorte específico de
Moraes - caso da capa, onde o cantor aparece sentado tocando violão. A extensão
do instrumento é uma folha com um lápis, atestando o ofício do artista.
São detalhes assim
que enriquecem o material, aguçando, no leitor mais atento, uma imersão dupla:
tanto no conteúdo dos versos quanto no que expressam as gravuras. Ao mesmo
tempo - retornando ao desenho da capa - fica explícita a intenção de revelar
que é o olhar de Moraes Moreira a prevalecer na obra, ou seja, são suas
percepções sobre o grupo e a forma como vivenciou as experiências que ditam o
rumo da história.
Interesse
Moraes comenta que
o interesse em trazer ao público a trajetória dos Novos Baianos é antiga e
dialoga com um princípio curioso do grupo. "Queria muito trazer essa
história porque a gente vivia contando causos sobre nós mesmos. A meninada, a
juventude, se interessou muito pela vida dos Novos Baianos porque não éramos só
um grupo que cantava. Tínhamos uma filosofia de vida, que dizia o seguinte:
'Quem é Novos Baianos tem que tocar, cantar e morar junto'".
Foi a partir dessa
máxima que o sexteto criou uma espécie de comunidade no Rio de Janeiro, logo
após sair de Salvador para empreender novos rumos de trabalho. Primeiro em um
apartamento, depois no lendário Sítio do Vovô, zona rural do Estado fluminense.
De acordo com o artista, "lá a gente tinha um campinho de futebol, vivia a
nossa vida num tempo em que a ditadura estava em um período muito forte.
Cabeludo, para existir, era preciso saber viver, saber as horas de correr da
Polícia", esmiuça.
"Então, no
Sítio do Vovô, a gente pôde expandir nossa comunidade. Foi quando começaram a
nascer nossos filhos e nós os criamos desse jeito, fazendo música, jogando
bola, fazendo poesia, nesse movimento que nasceu depois do Tropicalismo. A
gente se inspirou muito nesse movimento, embora com a particularidade de viver
ali não só enquanto amigos que tocavam juntos, mas que moravam no mesmo
ambiente também", completa.
Fôlego
Cada um desses
acontecimentos tão emblemáticos na estrada dos "meninos da Bahia"
ganha novo fôlego por meio de 161 estrofes, chanceladas pelo comentário de
Crispiniano Neto - membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel -,
cujas impressões estão presentes nas orelhas do livro; e as palavras do
escritor e poeta José Walter Pires, que assina o texto de apresentação.
Além dos causos da
turma, sobra espaço ainda para a demarcação temporal dos lançamentos dos discos
- com especial atenção para o álbum de estreia, "É ferro na boneca"
(RGE, 1970), ao qual Moraes Moreira dedica uma boa quantidade de estrofes,
dimensionando a produção e recepção do material -; a menção de nomes como João
Gilberto, cujo apoio ao grupo foi definidor do que viria pela frente; e trechos
repletos de nostalgia, como quando o autor brada, em tom de confissão: "Se
Deus me desse, meu povo/A chance do recomeço/Seria esse meu plano:/Faria tudo
de novo./Me vejo, me reconheço/Pra sempre um Novo Baiano".
Nesse movimento,
Moraes Moreira finaliza a conversa em tom animado: "Não pretendo parar de
escrever. Estou em fase de relançamento do livro 'O ABC de Jorge Amado', na
Flipelô (Festa Literária Internacional do Pelourinho) e com mais outros
projetos. Agora, tô nessa atividade: fazendo a minha passagem de cantor para
cantador", brinca.
Fonte: http://diariodonordeste.verdesmares.com.br
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