CORDEL PARAÍBA

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Bem-vindos, peguem carona/Na cadência do cordel,/Cujo dono conhecemos:/Não pertence a coronel./É propriedade do povo:/rico, pobre, velho, novo/deliciam-se deste mel./Rico, pobre, velho, novo/Deliciam-se neste mel.

(Manoel Belisario)



quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Em linguagem de cordel, cantor e compositor Moraes Moreira relança livro sobre a história dos Novos Baianos



por Diego Barbosa 
Reinvenção é palavra de ordem no vocabulário dos Novos Baianos. Sempre foi. Desde a década de 1960 - quando se deu o pontapé inicial nos trabalhos - até o recente retorno aos palcos, em 2015, que a trupe sacoleja as estruturas artísticas e busca promover uma abordagem diferente de vida e obra. A aposta, embora complexa, é também certeira. Não à toa, o grupo deixou um legado até hoje é celebrado por uma legião de admiradores, dentro e fora do Brasil.
Visando jogar luz sobre os passos dos integrantes no primeiro período em que estiveram juntos na banda - uma forma de também documentar as travessias do sexteto formado por Pepeu Gomes, Baby do Brasil, Dadi Carvalho, Paulinho Boca de Cantor, Luiz Galvão e Moraes Moreira - foi que este último lançou "A História dos Novos Baianos e outros versos", publicado pela Editora Língua Geral, do Rio de Janeiro, em 2007.
Esgotada a primeira edição, Moraes debruçou-se novamente sobre os escritos que tinha desenvolvido, porém com outra pegada: no lugar do conteúdo da antiga publicação, uma narrativa mais fluida e com inovações em cordel.
"Quando se faz uma sextilha, as rimas são no segundo, quarto e sexto versos. Na minha versão, eu fiz rimas do primeiro com o quarto, do segundo com o quinto e do terceiro com o sexto", detalha. "Só pode fazer isso quem conhece como é de verdade o cordel, porque é uma nova forma de escrita do gênero. Entrei no segmento, então, não apenas para seguir as regras, mas também para contribuir com alguma novidade. Esse é meu lema".
Dito e feito: "A História dos Novos Baianos", em novo volume, atesta a originalidade de Moraes ao equiparar a inquietude do grupo musical com a singularidade da criação poética, resultando em um livro leve e que, ao mesmo tempo, revela as facetas dos caminhos traçados pela turma em ambientes severos de repressão e censura, demarcados - à época do início da carreira - pela ditadura militar brasileira.
A obra foi lançada na última Bienal Internacional do Livro de São Paulo, no estande Cordel e Repente, idealizado e organizado pela Editora Imeph, a mesma que publica o livro. Na ocasião, Moraes Moreira, além de autografar os exemplares, realizou um pocket show com sucessos da banda e de sua carreira solo.
Influência
O motivo do cantor e compositor se debruçar sobre a linguagem do cordel na obra tem justificativa familiar. O irmão, Zé Walter, é cordelista e há tempos influencia no modus operandi artístico de Moraes. "Ele foi meu mestre no cordel. Nas minhas músicas, já tinha alguns traços, um pouco dessa arte - os versos contados, a tríplice (métrica, rima e oração) -, mas não tinha um rigor. Depois, comecei realmente a estudar a temática, aprendendo como era a questão das sílabas contadas e as rimas no lugar certo, por exemplo, o que me permitiu fazer as inovações", conta.
Ainda que se apoie nesses novos parâmetros, o livro não deixa de herdar alguns aspectos do anterior, como as ilustrações, o que estabelece uma interessante correspondência entre os dois. Os desenhos são assinados pelo ilustrador e artista plástico paraibano Romero Cavalcanti, reconhecido internacionalmente, com trabalhos expostos em bienais na Polônia e Finlândia, por exemplo.
As imagens evocam uma das artes mais típicas do Nordeste, a xilogravura, de uma forma moderna e criativa, ora retratando todo o grupo reunido se apresentando em diferentes cidades - no palco ou na estrada -, ora priorizando o recorte específico de Moraes - caso da capa, onde o cantor aparece sentado tocando violão. A extensão do instrumento é uma folha com um lápis, atestando o ofício do artista.
São detalhes assim que enriquecem o material, aguçando, no leitor mais atento, uma imersão dupla: tanto no conteúdo dos versos quanto no que expressam as gravuras. Ao mesmo tempo - retornando ao desenho da capa - fica explícita a intenção de revelar que é o olhar de Moraes Moreira a prevalecer na obra, ou seja, são suas percepções sobre o grupo e a forma como vivenciou as experiências que ditam o rumo da história.
Interesse
Moraes comenta que o interesse em trazer ao público a trajetória dos Novos Baianos é antiga e dialoga com um princípio curioso do grupo. "Queria muito trazer essa história porque a gente vivia contando causos sobre nós mesmos. A meninada, a juventude, se interessou muito pela vida dos Novos Baianos porque não éramos só um grupo que cantava. Tínhamos uma filosofia de vida, que dizia o seguinte: 'Quem é Novos Baianos tem que tocar, cantar e morar junto'".
Foi a partir dessa máxima que o sexteto criou uma espécie de comunidade no Rio de Janeiro, logo após sair de Salvador para empreender novos rumos de trabalho. Primeiro em um apartamento, depois no lendário Sítio do Vovô, zona rural do Estado fluminense. De acordo com o artista, "lá a gente tinha um campinho de futebol, vivia a nossa vida num tempo em que a ditadura estava em um período muito forte. Cabeludo, para existir, era preciso saber viver, saber as horas de correr da Polícia", esmiuça.
"Então, no Sítio do Vovô, a gente pôde expandir nossa comunidade. Foi quando começaram a nascer nossos filhos e nós os criamos desse jeito, fazendo música, jogando bola, fazendo poesia, nesse movimento que nasceu depois do Tropicalismo. A gente se inspirou muito nesse movimento, embora com a particularidade de viver ali não só enquanto amigos que tocavam juntos, mas que moravam no mesmo ambiente também", completa.
Fôlego
Cada um desses acontecimentos tão emblemáticos na estrada dos "meninos da Bahia" ganha novo fôlego por meio de 161 estrofes, chanceladas pelo comentário de Crispiniano Neto - membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel -, cujas impressões estão presentes nas orelhas do livro; e as palavras do escritor e poeta José Walter Pires, que assina o texto de apresentação.
Além dos causos da turma, sobra espaço ainda para a demarcação temporal dos lançamentos dos discos - com especial atenção para o álbum de estreia, "É ferro na boneca" (RGE, 1970), ao qual Moraes Moreira dedica uma boa quantidade de estrofes, dimensionando a produção e recepção do material -; a menção de nomes como João Gilberto, cujo apoio ao grupo foi definidor do que viria pela frente; e trechos repletos de nostalgia, como quando o autor brada, em tom de confissão: "Se Deus me desse, meu povo/A chance do recomeço/Seria esse meu plano:/Faria tudo de novo./Me vejo, me reconheço/Pra sempre um Novo Baiano".
Nesse movimento, Moraes Moreira finaliza a conversa em tom animado: "Não pretendo parar de escrever. Estou em fase de relançamento do livro 'O ABC de Jorge Amado', na Flipelô (Festa Literária Internacional do Pelourinho) e com mais outros projetos. Agora, tô nessa atividade: fazendo a minha passagem de cantor para cantador", brinca.
Fonte: http://diariodonordeste.verdesmares.com.br

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