CORDEL PARAÍBA

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Bem-vindos, peguem carona/Na cadência do cordel,/Cujo dono conhecemos:/Não pertence a coronel./É propriedade do povo:/rico, pobre, velho, novo/deliciam-se deste mel./Rico, pobre, velho, novo/Deliciam-se neste mel.

(Manoel Belisario)



segunda-feira, 7 de março de 2011

CORDEL ENVELHECIDO

Por: Aline Braga
cultura@cinform.com.br


         Em 2006 a deputada estadual Ana Lúcia Menezes concedeu o título de utilidade pública à Associação de Cordelistas e Repentistas de Sergipe - Ascorese. Quer dizer, sem delongas, que o cordel e o repente são patrimônios imateriais, fazem parte da construção histórica da população e fator de identidade ao longo do tempo. Para além de dizer quanto chegam a ser reconhecidas com esse título, as entidades podem marcar território em situações burocráticas e receber um valor em dinheiro para arcar com suas despesas de existência.
          Bem, mas cinco anos depois do título, tendo conseguido sede própria, fortalecido a classe, reinserido o cordel em vários mais eventos na capital e no interior - claros avanços, grande parte dos sergipanos segue apática em relação a essa literatura. Não indiferentes a isso, há muito os cordelistas vem reivindicando o estudo das obras na universidade e o uso dessa literatura no ensino fundamental. "É cultura sergipana de base", afirma a presidente da Ascorese, Josineide Dantas, mais conhecida como Gigi.

Rimas emparelhadas e fracas
Associação consegue título de utilidade pública, mas vivência da sociedade nas letras do cordel ainda é uma deficiência

          Por meio da Ascorese, Gigi e seus colegas de rimas como Zé Antônio, Zezé de Boquim, Damião Pernambucano e Ronaldo Dória assumiram a difícil tarefa de fazer da tão popular literatura de cordel uma arte realmente popular. Para provar que, apesar de muito falada, essa tradicional literatura regional não anda na boca do povo, basta saber que talvez o único poeta cordelista local mais conhecido seja o por muitos desconhecido João Firmino Cabral.
          Natural de Itabaiana, hoje ele pertence à Academia Brasileira de Literatura de Cordel e é referência não somente em Sergipe. Mas o problema é ser referência de algo que a geração internet não quer assumir nem carregar consigo. Isso fica bem claro quando se conversa mesmo com os grandes nomes. De acordo com José Rodrigues Sobrinho, 56 anos, repentista a 36, as perspectivas são ruins.
           "O futuro é escuro, porque a juventude não teve incentivo, outros não se interessam. A gente vê como muito curta essa estrada para a nossa profissão. Tem aí um ou dois surgindo, querendo se incluir. O índice é muito pouco", afirma ele, mais conhecido como o grande Vem-vem do Nordeste. E apesar de ter vivido do repente por todo esse tempo, hoje além dos shows apresenta o programa 'Canto e Viola', na Rádio Xingó, de Canindé.

REPENTE
          Vem-vem tem sete discos lançados, entre LP´s e CD´s, e vai lançar o oitavo neste abril próximo - mesmo tendo que se dividir entre locutor, repentista e assessor da Secretaria Municipal de Cultural de Canindé de São Francisco. Segundo Vem-vem, que tem pai pernambucano e também repentista, sua geração teve influência de outros nordestinos da Paraíba, do Ceará e do Rio Grande do Norte, que vieram a Sergipe e aqui desenvolveram sua arte.
          Antes, e o mesmo panorama vem se consolidando, o repente nordestino era rico, mas carecia de representantes. "Represento Sergipe através de gravações, programas de rádio. Acabamos de fazer uma matéria para o programa de Ana Maria Braga, da Globo, também com a Record, fizemos documentário com a Aperipê, mas os demais, tipicamente sergipanos, tem poucos sergipanos e muitos até já deixaram", afirma Vem-Vem.
           Da mesmo opinião, apesar de trajetória diferente, é Edésio da Silva Maciel, 54 anos, o Galego da Viola. O pernambucano, repentista e cordelista há 32 anos, já vive há quatro décadas em Aracaju, e foi em Sergipe que aprendeu a versejar. Hoje ele também comanda um programa de viola na Rádio Princesa da Serra, o Clube da Sanfona e da Viola, mas vive do repente.
           Segundo ele, não é em qualquer lugar que se faz cantoria hoje. "O sertão da Bahia e Itabaiana são lugares que merecem destaque", comenta Galego. "A cantoria em Sergipe é meio parada, mas está superviva em Pernambuco, Rio Grande do Norte", completa. Uma das coisas que o faz afirmar isso é a existência de vários festivais de cantoria nesses outros estados, eventos que aqui são promovidos sem tanta força, às vezes tendo Vem-Vem do Nordeste como realizador.

LITERATURA
          Diz a experiência que todo repentista é cordelista, mas que nem todo cordelista consegue ser repentista. Afirmação que atribui uma certa vantagem de dons ao cantador, emboladores e trovadores. Mas a questão é que o cordelista, mesmo trabalhando também com a rima, não raro associa o saber da xilogravura para ilustrar seus pequenos livretos.
           Essa associação entre rima e imagem, metrificada e baseada em fatos históricos, é o que defendem como recurso a ser utilizado em sala de aula. "O cordel já ajudou a alfabetizar, já contou história. A gente canta e escreve o que o povo faz no dia a dia", defende Galego da Viola. Segundo o repentista Damião Ramos dos Santos, o Damião Pernambucano, 61, seus pares lutam pela aprovação da profissão.
             Tendo viajado muito pelo Brasil, ele canta em restaurante, vaquejada e improvisa igual ao colega cordelista José Marciel, 73, o Zezé de Boquim. Sempre calcado no recurso humorístico, fala do cotidiano popular, e muito de uma vida diária do sertanejo. E é a partir daí, da temática cotidiana, que se pode começar a pensar no porque da geração internet não se interessar. É difícil para um garoto de criação extremamente urbanizada ser cativado pela representação de uma vida bucólica tão distante de sua realidade.
            Nesse sentido, Chiquinho D´Além Mar é o mais próximo que se conhece para falar de uma nova geração do cordel. Com os princípios já incorporados, ele ajudado por ser integrante do trio pé de serra Forró de Mala e Cuia. No início do ano passado lançou o livro 'A Invasão Holandesa', como parte de uma vasta pesquisa sobre a história de Sergipe que vem sendo publicada em cordel como 'Mar Vermelho' e 'A Saga dos Guerreiros Tupinambás: A invasão portuguesa e a conquista de Sergipe'.
           Quando começou a fazer poemas ele falava de amor e não sabia direito que tipo poesia fazia. Depois de ter contato com gente que estava nessa trajetória há anos, como Gilmar Santana e João Firmino, ele começou a descobrir possibilidades de rima e de estrutura que poderiam tornar seus versos mais ricos. Hoje, com o trabalho mais amadurecido, seus livretos apresentam visual clean, estética diferenciada, claramente mais moderna, e o tema por si é bastante atrativo e pertinente para o uso em escolas - a história da formação de seu próprio estado.

Foto: Ana Lícia Menezes

Fonte: cinform.com.br

Imagem: cordelsp.zip.net

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