Reconhecimento do Iphan chega no momento em que a internet promove desafios entre cordelistas do Brasil e do exterior, difundindo mais ainda a cultura
RIO - Trazida pelos portugueses na segunda metade do século 19, a literatura de cordel narrativa poética popular com métricas e rimas perfeitas ou quase perfeitas , receberá quarta-feira o registro de Patrimônio Cultural do Brasil. O título, concedido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), atende a pedido de 85 poetas, feito em 2010, através da Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC), no Rio.
"É um momento histórico. É a coroação de 30 anos da academia, que incentiva, divulga, produz e revela novos talentos", diz, emocionado, o presidente da ABLC, Gonçalo Ferreira da Silva, de 80 anos, autor de 300 cordéis e 30 livros.
O reconhecimento vem numa hora de 'efervescência cordelista' graças à internet, que agora propaga desafios virtuais (pelejas). A poetisa Dalinda Catunda é pioneira. "Comecei brincando com a escritora Rosário Pinto. Hoje, as pelejas ocupam um espaço importante nas redes sociais", orgulha-se.
No Rio, estima-se que vivam cerca de 50 cordelistas cariocas, nordestinos, paulistas e mineiros. Na Fundação Casa de Rui Barbosa, o acervo digital de mais de 2,3 mil folhetos (há outros 9 mil na fila) é mais acessado que as obras do próprio patrono 120 mil em dois anos.
Já o Escritório da Biblioteca do Congresso e a Divisão Hispânica da Biblioteca do Congresso em Washington estão formando, por meio da American Folklife Center (AFC), a maior coleção de cordéis do mundo, com mais de 12 mil peças, a partir de 1930.
Outro termômetro do sucesso: só a Copiadora Father, no Centro, imprime ao menos mil livretos de escritores populares por mês. "Nos tornamos especialistas", diz o gráfico Fábio Albino. Na Feira Nordestina de São Cristóvão, cordelistas de outras cidades têm destaque, como Isael de Carvalho, de Petrópolis, e o mineiro Manoel Santa Maria. "Versos em oito páginas custam R$ 3", propagandeia Isael. Por R$ 300, são feitos cordéis personalizados para aniversários, casamentos e homenagens.
Para Rosilene Alves de Melo, pesquisadora que coordenou os trabalhos do processo, o momento se traduz em dois significados: "Primeiro, o reconhecimento, ainda que tardio, pelo Estado brasileiro, da importância de uma prática cultural que por muito tempo foi considerada poesia menor, à margem das elites. O poeta Raimundo Santa Helena, para lembrar, foi rechaçado por duas vezes em 1980, por acadêmicos, ao tentar ingressar na Academia Brasileira de Letras (ABL), mesmo tendo escrito 500 folhetos. Na Praça XV e no Campo de São Cristóvão, folhetos eram apreendidos e os poetas presos (no século passado). O segundo aspecto é a dimensão política. O acesso a literatura de cordel passa a ser um direito de todos. Os poetas e toda a cadeia produtiva poderá reivindicar políticas públicas para a sua salvaguarda e difusão", ressalta.
Maria Elisabeth Costa, chefe do setor de pesquisa do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, que supervisionou os estudos pelo Iphan, exalta a internet como ponte para outras expressões artísticas. "É a ligação com o cinema, com as novelas, com as revistas em quadrinhos... Surpreendem a força e a vitalidade do cordel que, ao contrário de diversos prognósticos quanto ao seu desaparecimento no século 20, chegou ao século 21 fortalecido e adaptado a novos formatos e linguagens", atesta.
Fonte: https://odia.ig.com.br
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