MANOEL MONTEIRO - O Maior Expoente do Novo Cordel
Por Rubenio Marcelo · Campo Grande, MS
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RUBENIO MARCELO — Manoel, Inicialmente, eu gostaria de saber de você qual a importância do Novo Cordel na atualidade.
MANOEL MONTEIRO — Rubenio, o Novo Cordel de que eu falo é o cordel atual, o cordel do século XXI, este que está sendo utilizado, com eficiência, pelos professores nas salas de aula. O cordel, no momento, está em uma evidência muito maior do que nos seus ditos tempos áureos e pioneiros. Isto é verdade. Pode escrever. Eu conheço a história do cordel desde muito tempo, e convivendo com ele, nas feiras do Nordeste, desde 1951. Meu primeiro cordel foi publicado aqui em Campina Grande em 1953. Eu já vinha, há uns dois ou três anos, trabalhando com folhetos de feira em feira. Foi assim que eu saí de casa. As minhas asas para levantar vôo do ninho paterno foram os folhetos de cordel. E tão bem coladas foram estas asas, que ainda hoje eu continuo voando... Estas minhas asas foram e são, assim, muito mais firmes do que as (de penas) que puseram em Ícaro, pois quando este se aproximou do Sol, as suas asas caíram. Pois bem! Como afirmei, o cordel, hoje, está em evidência. Se o cordel de ontem era consumido (era absorvido) basicamente por gente simples e de pouca cultura, um público da periferia, das fazendas, das cidades pequenas do interior, dos mercados, das feiras livres (porque aonde ia o sertanejo, ia a sua mala repleta de saudades e de folhetos), hoje o cordel é consumido também nas escolas brasileiras; é valorizado nas instituições escolares de todos os graus, inclusive sendo enfocado por mestres e doutores nas suas teses acadêmicas. Então, o cordel hoje está em alta evidência e eu sei por que ele está com este prestígio...
RUBENIO MARCELO — Por que, então, Manoel, que o cordel está com este prestígio que você acaba de nos reportar?
MANOEL MONTEIRO — ... Porque os autores de hoje estão fazendo um trabalho diferenciado. Hoje, há cordelistas que possuem cursos superiores e especializações. Cordelistas que conhecem todo o Brasil e até países do exterior. Então, a vivência destes homens (que trazem na bagagem, antes da formação superior, uma cultura de massa, uma natural convivência com o povo), capacita-os a participar – por exemplo – de conferências, cursos e palestras para universitários em qualquer faculdade ou universidade brasileira. O que não acontecia ontem. Se o Novo Cordel está com toda esta evidência, é porque hoje os seus autores estão inserindo esta literatura nas escolas, nas salas de aula, e ministrando também interessantes palestras e conferências acerca do assunto... Atualmente, o campo, o auditório, o público do cordelista é diferente. E o cordelista também é diferente. Então, esta qualidade do novo cordelista faz o Novo Cordel; faz com que o texto do cordel seja estudado e utilizado, inclusive no aprendizado da nossa Língua Portuguesa. Neste sentido, nós temos trabalhos de alta classe, como – por exemplo – o de Moreira de Acopiara (em São Paulo), Klévisson Viana (no Ceará), Geraldo Amâncio (grande repentista cearense), Janduí Dantas (com a sua Gramática em Cordel, que é admirável), o José Maria de Fortaleza (que também trabalha muito bem com a literatura de cordel nas escolas), apenas pra citar alguns (claro que temos outros nomes). Todos são trabalhos simples, humildes na aparência, mas grandiosos na penetração, na originalidade, no convencimento, na maneira de transformar o difícil em fácil, porque a vantagem da informação feita através do cordel é que ela é compreensível, em virtude de esta poesia ser fecunda e sonora. E esta particularidade do texto poético faz com que qualquer informação, veiculada através dela, seja de fácil apreensão e de agradável consumo.
RUBENIO MARCELO — Quais as dificuldades e obstáculos que esta arte maravilhosa – o Cordel – está enfrentando nos nossos dias? E o que deve balizar a criação do Novo Cordel?
MANOEL MONTEIRO — Eu diria que os obstáculos são aqueles naturais a toda qualidade de impresso. Especialmente os livros. Ora, eu me lembro, e aproveito a ocasião para repetir, o que disse, certa vez na Feira de Remígio, o escritor Cristino Pimentel: — “Vender livros no Brasil é carregar a cruz de Cristo, vinte e quatro horas, durante toda a vida”. Isto sintetiza a dificuldade das pessoas que vivem das suas obras literárias. Aqui mesmo, nesta sala, onde estamos agora, um pessoal da imprensa me perguntou o seguinte: “... Se nós estávamos tendo ajuda governamental... Se nós tínhamos facilidade de publicar os nossos trabalhos... E como que o governo olha os nossos artistas...”. E eu respondi (e esta é a minha posição): — O artista precisa, mas não deve se submeter ao beneplácito dos governantes, ficar esperando por isto, porque isto pode implicar numa certa subserviência, mesmo que instintiva. A independência para o artista é fundamental. Eu dizia e digo que: – Se uma pessoa, um artista, fizer um bom trabalho, ele há de ser reconhecido. O que interessa é que este artista prime pela sua obra. Procure fazer um trabalho de classe. Para isto, ele às vezes necessita de proceder a uma busca, realizar uma pesquisa, para ilustrar o seu conhecimento. Quem está escrevendo, quem vive de escrever, como é o nosso caso, é preciso cuidar, analisar o que publica e buscar aprimorar sempre a sua criação. E eu sou partidário da condição de que o poeta tenha um pouco de trabalho (em prol do aperfeiçoamento) para compor a sua obra, visto que este material ficará registrado para sempre, passando – às vezes – por várias mãos (leitores diversificados). Digo isto porque fizeram comigo, um dia desses, uma dessas surpresas maravilhosas: eu estava aqui e chegou o professor Daniel Duarte (homem que gosta de publicações e livros raros), que é do Instituto Histórico e Geográfico do Cariri Paraibano, e me mostrou um monte de folhetos antigos que ele adquirira numa dessas feiras do interior. Então, eu passando alguns (uns eu conhecia e outros não...), e o que é que eu encontro... Eu encontrei um folheto que eu havia publicado aqui em Campina Grande em 1957. E deste folheto eu só me lembrava do título: “O Crime da Sombra Misteriosa”, e nem me lembrava mais de como eu tinha criado, inventado e conduzido a história, como havia desenvolvido o enredo. Mas onde eu iria encontrar aquilo? Então me chega aqui o Daniel com um exemplar deste folheto, que fora manuseado por mãos diversas, por mais de cinqüenta anos, passado certamente de pai para filho. Então eu pude perceber, mais uma vez, que quem escreve tem que pensar bem no que vai registrar, tem que analisar com cautela a formação do seu pensamento e da sua obra, para não documentar besteiras, que assim ficarão por muito tempo. Portanto, temos que pensar sempre em legar ao futuro alguma coisa consistente e efetivamente útil. Poesia são fragmentos de luz... São relances... São fagulhas de beleza e de graça... E o poeta tem a obrigação de procurar isto. Uns têm mais facilidade... São mais queridos pela musa. Outros possuem certas dificuldades... Eu, por mim, digo: a cada dia que passa, mais dificuldades eu encontro para escrever os meus textos, porque eu não quero me repetir; eu não quero dizer aquilo que eu já disse... E é muito difícil um homem de mais de setenta anos, como é o meu caso, ficar dizendo coisas novas... (risos)... Quase tudo que eu vou dizer alguém já disse, ou eu mesmo já expressei anteriormente. Mas esta busca é uma necessidade. Nós temos que buscar novas flores e fragrâncias. Num jardim por onde você anda todo dia, onde você já beijou todas as rosas, você tem que buscar uma de nuança diferente. Que tenha alguma graça diferenciada daquela que você contemplou no dia anterior. Esta é a dificuldade e o desafio do poeta.
RUBENIO MARCELO — Manoel, você – que é membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel – poderia nos dizer se esta Entidade (a ABLC) tem realizado atividades voltadas para a valorização e para a divulgação da arte do cordel?
MANOEL MONTEIRO — Sim. Digo, com sinceridade, que a Academia Brasileira de Literatura de Cordel, que tem a sua sede localizada no Rio de Janeiro (no bairro de Santa Teresa), é uma das chaves que têm aberto as portas de muitas instituições e entidades importantes no Brasil (e no mundo) para o cordel brasileiro, para este tipo de literatura impressa e expressa em versos. O cearense Gonçalo Ferreira da Silva – o presidente atual da ABLC – é um homem de cultura, possui curso superior, mas é, sobretudo, um poeta nato. Possui dom natural e sensibilidade. A Academia é muito importante. E muita gente tem me abordado sobre ela. Algumas pessoas até me questionam por que esta Academia não é estabelecida no Nordeste, uma vez que – segundo pensam – poesia popular é coisa de nordestino. E eu respondo: Poesia popular não é arte somente de nordestino. Poesia popular é arte do mundo e para o mundo. Os versos populares da literatura de cordel vêm – eu diria – das cavernas. Sim... Eu penso que a primeira poesia popular nasceu, lá numa primitiva caverna, com um troglodita, que – querendo conquistar uma formosa companheira – deixou de emitir aquele ruído agressivo e fez um ruído sonoro, flertou a trogloditazinha de uma maneira poética, agradável, musical, e aí nasceu a primeira poesia, o primeiro texto poético. A poesia é um sentimento especial; é a expressão de um assunto qualquer com a graça e a beleza e a ternura de um texto em versos. Então... Quando a poesia popular (na forma como estamos nos referindo: o cordel) vivia apenas de feira em feira, ela realmente tinha uma limitação de público, é verdade. Mas quando São Paulo e o Rio de Janeiro, por exemplo, começaram a absorver mão-de-obra dos outros estados, e também do Norte e do Nordeste, aí a poesia popular disseminou-se; o cordel ganhou as sendas do Brasil. O Ciclo da Borracha e a construção de Brasília também são eventos que colaboraram para esta universalização da poesia popular, que era, no princípio, um pouco restrita, realmente, ao Nordeste brasileiro. Cordel, literatura popular, hoje, é coisa do mundo. Poesia Popular é nada mais, nada menos, do que uma poesia bem escrita e que atinge a maioria das pessoas, porque ela é compreensível, ela é envolvente e boa de ser assimilada. Poesia popular é – por exemplo – o que encontramos nos versos de Leandro Gomes de Barros, versos escritos há cerca de cem anos e que compõem agora, por três anos seguidos, o programa do vestibular da Universidade Estadual da Paraíba. A Academia Brasileira de Literatura de Cordel tem estabelecido importantes contatos com entidades culturais e instituições do mundo, e esta abertura para os novos meios – mostrando a importância, o real valor da poesia popular – faz com que a literatura de cordel ganhe evidência e amplo destaque nos nossos dias.
RUBENIO MARCELO — E os meios de comunicação de massa, por exemplo, a TV, o rádio, o jornal e, principalmente, a Internet, têm contribuído de forma efetiva para o prestígio e esta evidência do cordel (que você se refere)?
MANOEL MONTEIRO — Estes meios de comunicação têm contribuído, e muito. O cordel, hoje, fala a linguagem do Século XXI. E a mídia, toda a imprensa que precisa de notícia, está vendo aí a importância e a influência do cordel, este expoente de arte que está sendo inclusive (como já afirmei) estudado e enfocado – com destaque – em teses e monografias de mestrado e doutorado. Então, quando as universidades estão interessadas em algo, a imprensa – que é inteligente – também está. E isto tem favorecido deveras a valorização merecida da nossa literatura de cordel. A poesia em geral, hoje, é para ser veiculada também pela Internet e por todos os meios mais modernos de comunicação.
RUBENIO MARCELO — Manoel Monteiro, o que é ser cordelista?
MANOEL MONTEIRO — Ser cordelista é sonhar... E sonhar vinte e quatro horas por dia, porque a poesia popular é um exercício mental maravilhoso e muito gratificante. O poeta olha o vôo de um pássaro, analisa seus movimentos, diferentemente de um físico, por exemplo. Ser poeta cordelista é brincar com o lúdico, é querer copiar estrelas (e isto é possível?)... Então, repito, ser poeta [para mim] é viver sonhando, e é muito bom viver assim, porque a realidade do cotidiano é muito ríspida, é muito vazia. A poesia, às vezes, faz chorar, mas choramos de uma maneira diferente, porque choramos com a fecundação da alma...
RUBENIO MARCELO — Eu gostaria que você nos explicasse como é que nasce a sua inspiração para escrever os seus trabalhos de cordel.
MANOEL MONTEIRO — Primeiro, vem da minha vivência. O meu grande livro é a vida. Os meus cordéis são compostos, principalmente, embasados nas minhas experiências de vida, mas também - quando necessito - realizo um pouco de pesquisa. Quando eu vou escrever sobre um determinado assunto, às vezes temas requisitados, eu procuro me inteirar o máximo possível sobre aquela matéria. Contudo, a criação, no meu ponto-de-vista, deve ser a mais solitária possível. Na gestação do texto, o poeta deve-se voltar para o interior, para o seu interior, para os seus sentimentos, suas lembranças mais recônditas. É preciso mergulhar no desconhecido em busca do belo. Isto parece tão subjetivo, este meu raciocínio, mas é assim que estou conseguindo dizer como é o meu processo de criação. Eu não tenho um folheto pronto. Eu não sei nem como ele terá fim. E eu não sei nem se ele vai terminar. Às vezes eu busco uma palavra, eu quero uma palavra de determinado tamanho, eu necessito de uma palavra de determinada cor ou aspecto e ela não me aparece. Não adianta fazer por fazer... Só rimar é fácil (quando o som não arranha o ouvido, temos a rima). Metrificar, outrossim, não é difícil: a métrica pode ser aperfeiçoada pelo costume e a prática. Mas isto é muito pouco para a elaboração um bom poema. Faltam os desígnios da oração, que é o sentido, e principalmente a essência, que é a beleza. Então, o meu processo de criação é uma busca (e é dolorida)... Por isso quando eu trabalho algum folheto de encomenda (e eu faço, principalmente se o assunto for um desafio), eu preciso me inteirar, conhecer, falar com especialistas daquele assunto... Mas eu digo para as pessoas que encomendam: – Em não garanto nada. Não garanto que vai prestar... O futuro é que vai dizer... Eu vou tentar fazer, mas se eu não conseguir, paciência... O que é certo é que, somente pelo fato de eu conhecer os aspectos da rima e da métrica, não terei jamais a garantia da criação de uma bom texto poético. Preciso de algo mais, preciso daquilo que transcende...
RUBENIO MARCELO — Para encerrarmos, eu gostaria que você expressasse algumas palavras dirigidas àquelas pessoas que estão se iniciando na arte do cordel, ou que estão se interessando, de alguma forma, pela poesia popular.
MANOEL MONTEIRO – Parabenizo os que estão iniciando. É preciso que as pessoas expressem o que sentem. E, para isto, o melhor canal, o veículo mais democrático é a poesia. É preciso escrever e divulgar o trabalho. Mas é preciso procurar escrever com responsabilidade e desvelo (e também com racional autocrítica). No momento, a poesia está ganhando muitos adeptos em todo o mundo. Mas escrever poesia não é para todo mundo: só faz poesia quem é poeta; e só concebe a boa poesia quem é bom poeta. A real inspiração é uma coisa deveras etérea; muito sublime; não fácil de ser alcançada. A busca eterna pelo belo é uma das missões do poeta, e eu felicito os que estão começando a escrever, e volto a repetir: - Escrevam tudo que lhe vier ao coração, passem para o papel e divulguem, porque é desse meio, é dessa produção que sairão as grandes obras. Contudo, quero repetir mais uma vez: é preciso ter cuidado ao escrever. O que for escrito agora, assume uma responsabilidade com os leitores do futuro.
Fonte: http://www.overmundo.com.br/overblog/manoel-monteiro-e-o-novo-cordel-entrevista
Uma estória de vida que magistralmente conduziste, poeta Rubenio. Poetas tais não morrem. Encantam-se, metamorfoseados em versos.
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